quarta-feira, 27 de abril de 2011

Recuso-me a pagar a dívida do Estado!

O sociólogo Boaventura Sousa Santos defendeu hoje que os portugueses deviam recusar-se a pagar a dívida do Estado, evocando o exemplo da Islândia, ao intervir numa conferência promovida pela Associação Abril, em Lisboa.
"Nós não sabemos como chegámos a esta dívida porque ela foi feita nas nossas costas", argumentou o professor da Universidade de Coimbra, que admitiu, no entanto, que a ajuda financeira a Portugal por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI) "é essencial".
As ideias do catedrático foram defendidas na conferência "Mundo em mudança: perspetivas de um novo modelo económico e de novos paradigmas civilizacionais", organizada no âmbito das comemorações do 25 de Abril.
Na sua intervenção, Boaventura Sousa Santos defendeu “uma democracia mais participativa” em que os cidadãos possam ter “mais poder de decisão”, sobretudo no que diz respeito à aplicação de verbas por parte do Governo.
“O cidadão pode e deve ter uma palavra para decidir onde é que o seu dinheiro é aplicado. Se isso acontecesse não tínhamos comprado submarinos, por exemplo”, sustentou.
Boaventura Sousa Santos, que dirige o Observatório Permanente de Justiça (OPJ), foi uma das personalidades recebidas pela “troika” no âmbito das negociações para a ajuda externa a Portugal.
A "troika", composta pelo FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, iniciou no dia 18 deste mês as negociações com responsáveis portugueses para delinear um plano de ajuda financeira a Portugal, após o pedido feito pelo primeiro-ministro demissionário, José Sócrates, a 06 de abril.
O Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (OPJ) tem sede no Centro de Estudos Sociais (CES) da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde funciona desde 1996.
Tem como objetivo principal acompanhar e analisar o desempenho dos tribunais e de outras instituições e atividades com eles relacionados, como as polícias, as prisões, os serviços de reinserção social, os sistemas de perícias e o sistema médico-forense, as profissões jurídicas e os sistemas alternativos de resolução de litígios.
Compete-lhe, ainda, avaliar as reformas introduzidas, sugerir novas reformas e proceder a estudos comparados, fora e dentro da União Europeia. Estudos de opinião sobre o Direito e a Justiça fazem igualmente parte dos seus objetivos.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Dia Mundial do Café

Sementes com um sabor dos diabos
O café é uma semente que nasce de um arbusto (mede entre dois e cinco metros) chamado cafeeiro e que, antes de tratada e torrada, se assemelha bastante àquelas bagas que em criança disparávamos à força de um sopro, quais índios da Amazónia, nos tubos de PVC. Do ponto de vista botânico, muito haveria a dizer sobre a planta de onde se colhe o café, mas o que realmente interessa saber é que existem cerca de 103 espécies diferentes de cafeeiros, daí as bicas que bebe terem sabores tão diferentes.


História (muito) abreviada do café
Não há certezas quanto a datas, mas terá sido por volta de 800 d.C. que o café terá sido descoberto para o mundo, na Etiópia, onde algumas tribos usavam as sementes de cafeeiro (misturadas com tudo e mais alguma coisa) como suplemento energético. Daí terá passado para a Arábia, onde em 1000 d.C. alguém descobriu que o café podia ser torrado e bebido. À custa das invasões e das guerras, a moda espalhou-se pelo mundo e hoje não dispensamos uma bela de uma bica na esplanada.

Mundo de café
O cafeeiro desenvolve-se em regiões com temperaturas médias anuais na ordem dos 20oC, onde sol e chuva dividem irmãmente as condições climáticas, tornando os solos ricos e porosos. Ou seja, as plantações de café concentram-se exclusivamente nas zonas tropicais do planeta Terra. O Brasil está no topo da lista dos maiores produtores, com uma média de 22,5 milhões de sacos (de 60 kg) de café produzidos por ano, seguido da Colômbia (10,5 milhões) e Indonésia (6,7 milhões).

Mestre da cafeína
O segredo de uma boa bica está não só na qualidade do café como na temperatura da máquina e na forma como se tira. Portugal tem um dos melhores profissionais na área. Em Outubro de 2010, Rui Pereira Gomes, um barista leiriense de 30 anos (na altura chefe de sala do Hotel Eurosol Leiria), venceu o Campeonato Nacional de Baristas entre dez participantes, na rapidez, perícia e perfeição na extracção do melhor expresso. Um mês depois esteve em Barcelona, no Campeonato Barista entre Andorra, Espanha e Portugal, e ganhou o prémio do Melhor Expresso.


Um italiano em Lisboa
Em Portugal bebe-se bom café, graças ao italiano Antonio Marrare, o mesmo que inventou o Bife à Marrare. A história foi contada aqui no i pelo editor de opinião António Mendes Nunes: “Até ao início do século XIX o que se bebia era uma mixórdia composta por alguns grãos de café misturados com tremoço, fava, feijão e grão-de-bico bichado. Foi Marrare quem, no célebre Marrare do Polimento, ao Chiado, primeiro serviu café puro, em chávenas de porcelana e bandejas com cafeteira, açucareiro e colheres, tudo em prata.”

O cimbalino
Os lisboetas pedem uma bica (porque a máquina tem uma espécie de bica, de onde sai o café), os portistas um cimbalino. E porquê? Porque no Porto um dos primeiros cafés a tirar expressos, o Âncora de Ouro, em 1957, tinha uma máquina da marca italiana La Cimbali. Para distinguir café de máquina do de saco, os clientes que queriam expressos começaram a pedir cimbalinos, uma tradição que se manteve até aos dias de hoje.

A bica mais cara do mundo
Uma bica do Kopi Luwak produzido na Indonésia pode custar 60 euros. Porquê? É feita com grãos de café que passaram pelo sistema digestivo da civeta (um mamífero carnívoro), onde uma enzima reduz o sabor amargo dos grãos de café e o torna mais aromático e doce. Os grãos são apanhados das fezes e os bichos só conseguem expelir cerca de 230 kg por ano.

Café terapêutico
O café está ao nível de produtos polémicos como o azeite: um ano é a melhor gordura do mundo, no outro seguinte alguém descobre que faz muito mal ao coração. Recentemente, um grupo de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular de Coimbra descobriu que a ingestão de doses moderadas de café diminuía a incidência de doenças ligadas ao cérebro, como o Alzheimer, por exemplo.

Instituto Cafeeiro Português
Apesar de não sermos um país produtor de café, temos um papel determinante nesta indústria. Não porque o bebemos quase todos os dias a seguir às refeições, mas porque Portugal tem em Oeiras, desde 1955, o único centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro do Mundo, onde se estuda as doenças que afectam a planta do café (como a ferrugem amarela e a antracnose dos frutos verdes) e que criou 90% das espécies resistentes de cafeeiros que são plantadas por todo o planeta.

Um abatanado, se faz favor
Os portugueses são especialistas a tirar e pedir bicas. Entre os pedidos clássicos estão a bica em chávena escaldada (com o vapor da máquina), o café pingado (com umas gotas de leite), o café com cheirinho (com uns pingos generosos de aguardente ou bagaço), o carioca (um café mais fraco, que normalmente é tirado aproveitando as borras do último café tirado), o garoto (um café pingado com mais leite) e o misterioso abatanado, que mais não é do que um expresso longo servido em chávena de meia de leite.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Otelo Saraiva de Carvalho e a Crise...

Otelo Saraiva de Carvalho ouve todos os dias populares dizerem-lhe que o que faz falta é uma nova revolução, mas, 37 anos depois, garante que, se soubesse como o país ia ficar, não teria realizado o 25 de abril. Aos 75 anos, Otelo mantém a boa disposição e fala da revolução dos cravos como se esta tivesse acontecido há dois dias. Recorda os propósitos, enumera nomes, sabe de cor as funções de cada um dos intervenientes, é rigoroso nas memórias, embora reconheça que ainda hoje vai sabendo de contributos de anónimos que revelam, tantas décadas depois, o papel que desempenharam no golpe que deitou por terra uma ditadura de 28 anos. Essa permanente atualização tem justificado, entre outros propósitos, a sua obra literária, como o mais recente "O dia inicial", que conta a história do 25 de abril "hora a hora". Apesar de estar associado ao movimento dos "capitães de abril" e aceitar o papel que a história lhe atribuiu nesta revolução, Otelo não esconde algum desânimo. Ele, que se assume como um "otimista por natureza". "Sou um otimista por natureza, mas é muito difícil encarar o futuro com otimismo. O nosso país não tem recursos naturais e a única riqueza que tem é o seu povo", disse, em entrevista à Agência Lusa. Otelo lamenta as "enormes diferenças de carácter salarial" que existem na sociedade portuguesa e vai desfiando nomes de personalidades públicas, cujo vencimento o indigna. "Não posso aceitar essas diferenças. A mim, chocam-me. Então e os outros? Os que se levantam às 05:00 para ir trabalhar na fábrica e na lavoura e chegam ao fim do mês com uma miséria de ordenado?", questiona, sem esconder o desânimo. Para este eterno capitão de abril, o que mais o desilude é "questões que considerava muito importantes no programa político do Movimento das Forças Armadas (MFA) não terem sido cumpridas". Uma delas, que considera "crucial", era a criação de um sistema que elevasse rapidamente o nível social, económico e cultural de todo um povo que viveu 48 anos debaixo de uma ditadura". "Este povo, que viveu 48 anos sob uma ditadura militar e fascista merecia mais do que dois milhões de portugueses a viverem em estado de pobreza", adiantou. Esses milhões, sublinhou, significa que "não foram alcançados os objetivos" do 25 de abril. Por esta, e outras razões, Otelo Saraiva de Carvalho garante que hoje em dia não faria a revolução, se soubesse que o país iria estar no estado em que está. "Pedia a demissão de oficial do exército, nunca mais punha os pés no quartel, pois não queria assumir esta responsabilidade", frisou. Otelo justifica: "O 25 de abril é feito em termos de pensamento político, com a vontade firme de mudar a situação e desenvolver rapidamente o nível económico, social e cultural do povo. Isso não foi feito, ou feito muito lentamente". "Fizeram-se coisas importantes no campo da educação e da saúde, mas muito delas têm vindo a ser cortadas agora outra vez", lamentou. "Não teria feito o 25 de abril se pensasse que íamos cair na situação em que estamos atualmente. Teria pedido a demissão de oficial do Exército e, se calhar, como muitos jovens têm feito atualmente, tinha ido para o estrangeiro", concluiu.